sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

UM OLHAR DIALÉTICO SOBRE O SERTÃO


UM OLHAR DIALÉTICO SOBRE O SERTÃO

Adriano Melo Medeiros

Fundamentado na dialética hegeliana, este artigo apresenta uma analise do ethos sertanejo. Tendo como ponto de partida a celebre frase de Euclides da Cunha: “o sertanejo é antes de tudo um forte”, é examinado o processo histórico de formação do ethos do sertanejo, bem como a influência da luta, esta entendida em termos hegelianos, com a natureza. Concluindo com uma analise do momento atual onde esse ethos enfrenta um choque com a cultura técno-científica atual.

Palavras-chave: Dialética, Sertão, Sertanejo, Ethos


Basé chez la dialectique hegelienne, cet article présente une analyse du ethos du l’homme du Sertão. En ayant comme point de départ la célèbre phrase d'Euclides da Cunha: « l’homme du Sertão est avant tout un fort », est examiné le processus historique de formation du ethos du l’homme du Sertão, ainsi que l'influence de la lutte, celle-ci comprise chez les termes hegeliens, avec la nature. En concluant avec un analyse du moment actuel où ce ethos s’affronte avec la culture technoscientifique actuelle.

Mots-clé : Dialectique, Sertão, L’homme du Sertão, Ethos

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O sertão é uma realidade dialética por natureza: nascer é um apelo à vida, contudo, nascer no sertão é um apelo à morte. Entretanto, por ser o combate de todas as coisas pai, de todas rei, como afirma Heráclito no fragmento 53, é, portanto, nessa peleja entre vida e morte, seca e esperança, que se funde a alma do sertanejo.

“A seca seca primeiro
                                                                              Os depósitos cristalinos
Depois seca as esperanças
De milhões de peregrinos
Mas bota enchente de lágrimas
Nos olhos dos nordestinos.”
(Zé Fernandes)

Apesar de morrer de velhice antes dos trinta, como diz João Cabral de Melo Neto em Morte e Vida Severina, o sertanejo é maior que a pouca vida que tem. Sua coragem e fazem dele uma realidade maior que a realidade que o oprime.
Podemos encontrar a matriz dessas duas qualidades que compõem o caráter do sertanejo não na luta contra a seca, mas também no processo histórico de formação do povo que habita o sertão.
O primeiro choque entre diversidades ocorrido no sertão foi um choque cultural. Fugindo das fogueiras da inquisição, árabes e judeus se embrenharam sertão adentro, mesclando-se com os índios existentes na região.
Em seguida os próprios portugueses, que por não terem onde criar o gado, por estar a zona da mata completamente tomada pela cana-de-açúcar, viram-se obrigados a adentrar no sertão.
Este segundo impacto, que podemos chamar de choque econômico, traz consigo dois momentos. O primeiro foi o choque inevitável entre a população existente no local – que não mantinha contato com os grandes centros da época – e os portugueses – que  chegavam para a fundação de seus latifúndios. O segundo, decorria de uma questão natural: como criar gado numa terra onde malpara plantar? Além de ser difícil a agricultura, se junta a esta a pecuária, como superar esta dificuldade? Tem início o choque que perdura até hoje entre este modelo econômicoagricultura e pecuária – e a natureza.
Paralelamente a tudo isso, ocorria a formação religiosa do sertanejo. Uma religiosidade mística, fruto da diversidade cultural apresentada desde o início da colonização.
Primeiramente, vieram os jesuítas que tentaram levar o monoteísmo ao indígena. Com a expulsão dos jesuítas, pelo Marquês de Pombal, vieram os franciscanos que, com sua rara abnegação, disseminaram um servilismo ingênuo entre os mestiços.
Esses os missionários trouxeram sua religiosidade medieval, com isso, o animismo indígena foi catequizado por meio de martírios, cilícios, infernos ardentes, pecados mil e toda uma exaltação ao sofrimento que, numa terra onde se convive com a dor, adubaria facilmente a mente do povo que se formava na região.
Consequentemente, não poderia ser diferente que o sertanejo, nas situações de extrema adversidade, recorresse ou a bala ou ao rosário, ou mesmo aos dois ao mesmo tempo. Isso fica evidente quando olhamos para Canudos ou para Juazeiro do Norte. O que demonstra ser o ethos sertanejo uma unidade dialética, resultante de uma harmonia de tensões contrárias, e não uma unidade eclética em que a harmonia é resultante da conciliação entre elementos diversos.
Não é lágrimas que a seca oferta ao sertanejo, aliada ao processo histórico, ela lhe dá a sua têmpera, o que leva Euclides da Cunha a afirmar que: “O sertanejo é antes de tudo um forte”.
Atualmente, todo esse Modo de Ser do Sertão, construído ao longo de quinhentos anos, sofre um novo impacto em decorrência do momento histórico em que vive a humanidade.
Com os avanços tecnológicos ocorridos nos últimos tempos, o sertão está mais próximo do litoral, de modo que, o isolamento, fator de conservação do seu ethos, está lentamente se extinguindo, abrindo espaço para o choque entre conservadorismo e modernismo.
Enquanto de um lado gritam os tradicionalistas que o progresso para o sertão é gado, leite e feijão, do outro estão os progressistas dizendo que é a globalização. E entre eles surge a curiosa figura do vaqueiro que tange a boiada montado em uma motocicleta. Esta figura emblemática, decorrente do antagonismo entre as forças da tradição e da modernização, mostra mais uma vez a realidade do sertão como uma contradição dialética.
A dialética não é um modo de ver a realidade, mas sim a própria realidade. Hegel, no segundo parágrafo da “Fenomenologia do Espírito”, dá como exemplo o botão e a flor, para mostrar a diversidade como desenvolvimento progressivo da verdade. Hoje, a imagem de um vaqueiro montado em uma motocicleta poderia ser o exemplo usado por ele.
Um outro exemplo que poderia ser dado para demonstrar a diversidade como desenvolvimento progressivo do espírito é a literatura de cordel, outro elemento bem característico do sertão nordestino.
Durante o período colonial até a chegada do rádio no sertão, o grande veículo de comunicação usado pelo povo sertanejo, assim como por sua elite, foi a literatura de cordel. Era através dessa literatura que o sertanejo aprendia a ler, mantinha-se informado do que acontecia no mundo, aprendia e repassava sua cultura.
Primeiro com o rádio, segundo com a televisão e, por último, com o computador, a literatura de cordel entrou em crise, a ponto de na década de 80, muitos terem afirmado o fim do cordel. Esse fim realmente esteve iminente no fim dos anos 80, início dos anos 90. Contudo, uma nova safra de cordelistas e repentistas surgiu, utilizando-se exatamente dos novos meios de comunicação para a produção e exibição de sua arte e da literatura de cordel.
Hoje, o antigo folheto está suprassumido, ou seja, existe em uma nova forma que conserva aquela que suprime. As xilogravuras da capa foram substituídas por artes criadas em computador, mantendo-se os traços característicos das xilos. Sua impressão não é mais feita em prelos, mas sim em impressoras. A antiga métrica do cordel continua sendo utilizada para falar de temas atuais[1]
Segundo Heráclito, tudo flui, nada persiste, nem permanece o mesmo. E segundo Hegel o verdadeiro é como a unidade dos opostos, dessa forma, concluímos que, não é preciso temer o progresso, muito menos impô-lo como sendo a verdade, visto que, sendo a realidade dialética, o ethos sertanejo será conservado, apesar de negado pelo momento atual, numa suprassunção que desconhecemos, mas que virá.



BIBLIOGRAFIA


ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 1999.

ANDRADE, Maristela Oliveira de. Cultura e tradição nordestina: ensaios de historia cultural e intelectual. João Pessoa: Idéia, 1997.

BORNHEIM, Gerd A. Os filósofos pré-socráticos. 2.ed. São Paulo: Cultrix, 1972.

CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e cantadores: folclore poético do Sertão de Pernambuco, Paraiba, Rio Grande do Norte e Ceará. Rio de Janeiro: Tecnoprint, [1986?].

CUNHA, Euclides da. Os sertões. 18.ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.

FERRAZ, Tatiana Valença. A formação da sociedade no sertão pernambucano: trajetória de núcleos familiares. Recife, 2004. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. História.

GUERRA, Paulo de Brito. A civilização da seca: o Nordeste e uma historia mal contada. Fortaleza: DNOCS, 1981.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito. Petrópolis: Vozes, 2001.

MELO NETO, João Cabral de. Morte e Vida Severina, e outros poemas para vozes. 4.ed. rev. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

MENESES, Paulo. Para ler a fenomenologia do espírito. São Paulo: Edições Loyola, 1985.

MOTA, Leonardo. Cantadores: poesia e linguagem do sertão cearense. 5. ed. Rio de Janeiro: Catedra, 1978.

Pereira, Kleide Ferreira do Amaral. Os sertões de Euclides da Cunha, Guimarães Rosa e da literatura de cordel. ______.In: Revista da Academia Nacional de Musica, Rio de Janeiro, v.9, p.82-89, 1998.

PIZA, Daniel. Trechos de "Os sertões". Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

SOLER, Luis. As raízes árabes na tradição poético-musical do sertão nordestino. Recife: Ed. Universitária, 1978.

WIKIPEDIA. Sertão. Disponível em <http://fr.wikipedia.org/wiki/Sert%C3%A3o> acessado em 10 de junho de 2005.
[1] Parodiando o famoso cordel “A chegada de Lampião no inferno”, Paulo Moura escreveu: “A chegada de Lampião no deserto iraquiano” no qual se : “O barulho dessa bomba/ Da força da coalizão/ Findou até acordando/ O famoso Lampião/ Que jazia ali bem perto/ Num conhecido deserto/ Que era a morada do cão. Lampião era valente/ Mas ficou estarrecido: Nunca vi tanta desgraça!/ Esse mundo está perdido!/ No tempo de meu cangaço/ Eu mandava um balaço/ Se alguém me houvesse ofendido.” Gilberto Cavalcante por sua vez escreveu um cordel do tipo jornalístico intitulado “A guerra Iraque X EUA, o poder a preço de sangueque assim principia: “No dia 20 de março/ Do ano 2003/ O poder americano/ Diversos disparos fez/ No primeiro bombardeio/ Cinco morreram na vez.”

sábado, 15 de dezembro de 2012

Situações Didáticas II

O Saber filosófico e o Saber científico são para quem está disposto aos sacrifícios necessários à aquisição da visão além do alcance. É preciso ter Olho de Thundera!!!


Charge de Silvio Vilasi

Situações Didáticas I


Opinião x Saber científico. 
Charge de Silvio Vilasi.